segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Capítulo 7 - Um Mundo Dentro do Mundo

Beatriz fala…

A minha visão sobre o mundo gay sempre foi muito deturpada. Patricinha até os 18 anos, achava que lésbicas eram mulheres que se vestiam com roupas masculinas, falavam grosso e no fundo eram frustradas por não terem nascido homens. Pior… não concebia o sexo entre duas mulheres porque faltava um err… instumento masculino! Doce ilusão!

Helena fala…

Uma vez que saí do armário, não demorou muito até que beijasse a primeira mulher. Me apaixonei. A típica primeira paixão gay: intensa e breve. Logo descobri que não possuíamos os mesmo valores morais, e acabamos terminando. Uma vez que me vi gay e solteira, me pus a pensar: E agora? Entro no mundo gay? Continuo como hétero enrustida e procuro uma outra garota na internet?

Entrar no “mundo gay”, para mim, era me expor. Na minha concepção inicial, o pequeno mundo composto pelas lésbicas era uma parte exclusa do grande mundo hétero. No mundo gay, pessoas freqüentavam guetos e lugares escuros, escondidas do restante “saudável” da sociedade. Estas concepções foram fruto de uma criação extremamente preocnceituosa e tarjativa. Não culpo meus pais – ou os de vocês. Somos um produto do meio em que vivemos.

Toda esta carga emocional entrou em grande conflito com meus desejos pessoais. Eu queria estar freqüentando lugares iguais àqueles para onde costumava sair, exceto pelo fato de que, ao invés de mauricinhos prepotentes, gostaria de lésbicas ao meu redor. Infelizmente, era inconcebível que houvesse um lugar bem freqüentado, para onde meus amigos desejassem ir, e onde houvesse lésbicas para mim. E, se este lugar existisse, eu provavelmente não faria nada. Cada vez mais frustrada, decidi que bastava.

Liguei para as únicas pessoas gays que conhecia – minha ex-namorada e amigas – e resolvi sair para uma balada gay pela primeira vez. Meu primeiro erro foi este.

Meu namoro não havia dado certo justamente pelas pessoas com as quais ela andava, pelos lugares bizarros que freqüentava e pela falta de consideração que todas as amigas dela tinham com o nosso namoro: o velho rebuceteio. Minha decisão de adentrar o mundo gay foi consciente de que isto seria um trampolim para o meio da confusão.

O mundo que eu conheci foi exatamente o que desprezava: boates gays escuras, homens fazendo sexo oral em outros em plena pista de dança. Dark rooms, citados pelas orgias e promiscuidade (neles nunca entrei) e um consumo de drogas explícito de assustar. Drag queens, travestis, bichas magras com cara de doentes. Lésbicas caminhoneiras, feias, sem qualquer respeito. Talvez estivesse escrito na minha testa que eu acabara de chegar naquele mundo, pois minha impressão era sempre a de que todos prestavam excessiva atenção em mim. O mundo dentro do mundo era assustador.

Beatriz fala…

Diferente da Helena, na minha primeira incursão ao mundo gay, eu ainda era uma “curiosa”. Para poder conciliar trabalho com facudade, o único emprego que eu consegui arrumar foi numa agência de turismo e, como trabalhava no turno da noite, o movimento era pouco. Eu passava boa parte do meu tempo ouvindo as histórias de Gabriela, minha colega de trabalho bissexual e ninfomaníaca.

Ela me falava de um namoradinho podre de rico, que trazia modelos lindas de todas as partes do país para dormir com eles. As narrativas de suas noites tórridas dariam um belo livro, definitivamente mais picante do que o pobre “Manual”. Gabi era não era uma mulher bonita, mas possuia uma sensualidade explosiva.

Ouvia todas as suas aventuras com muita curiosidade e instigação. Pois, na minha cabeça ainda hetero e preconceituosa, o fato de sempre haver um homem no meio de todas as suas odisséias apaziguava em mim o choque dela gostar de mulheres. Ela definitivamente sabia fazer uma conversão! Aos poucos, eu fui sendo tomada por uma curiosidade gritante! Até que, um dia…

“Bia, lembra daquela minha amiga da faculdade que você conheceu?”
“Quem, a Vânia (uma lésbica gordinha, com jeito de caminhoneira, porém muito simpática)?”
“Sim… é aniversário dela amanhã e ela quer que você vá.”
“Onde é?”

“Na boate gay, claro, você imagina a Van comemorando algo em outro lugar?”
“Err… vou pensar!”
“Vamos, vai ser legal! A gente sai direto do trabalho. Ninguém vai dar em cima de você, eu prometo!”

Por motivos óbvios, eu não acreditei na promessa da Gabi, e estava decidida a nunca frequentar um lugar daqueles. Como era de se esperar, a minha decisão irrevogável durou exatas 24 horas! No outro dia eu fui ao trabalho montadérrima. Estava disposta a arrasar todos os corações, independente do sexo.

Confesso que, naquele dia, eu estava tão curiosa por conhecer o mundo gay que passei a não mais acreditar na minha heterossexualidade ferrenha. Por prevenção, liguei desesperada para o meu namoradinho e pedi para que ele me acompanhasse.

A BOATE GAY

Chagando na festa, suspiro de alívio. A boate funcionava nas antigas instalações do clube hetero mais badalado da cidade (na época em que o meu pai ia a boates). Isso me deu uma sensação de confiança. Afinal, era um ambiente que eu já frequentara. O lugar estava meio decadente, é verdade. Mas ainda tinha resquícios do glamour de outrora… até a entrada!

Eu me senti dentro do filme Instinto Selvagem… numa versão com bem menos verba! As pessoas dançavam se esfregando, praticamente um show de sexo explícito em cada canto do recinto. Consumiam drogas a torto e a direito e beijavam a três, a quatro, a cinco. Sem o menor pudor e achando aquilo tudo muito normal. A parte boa… o som era absurdo! Fiz a única coisa em que eu consegui pensar para me relaxar no momento: beber!

Marko – que era alemão e definitivamente o homem mais bonito de todo o hemisfério sul naquela noite – resolveu fazer o mesmo, depois de ter levado a sexta mão na bunda de um viado tarado. Três tequilas depois, surge num palco suspenso um travesti purpurinado e anuncia que o show vai começar! A música foi ficando mais “caliente” e três mulheres (bonitas de longe) começaram a dançar sensualmente ao som da música eletrônica. Meu namorado parou o que estava fazendo para olhar boquiaberto!

Era o momento que eu esperava! Sai de fininho, com a desculpa de ir pegar outro drink. Estava decidida a desbravar o novo mundo! Encontrei Vânia pouco depois… Ela ria com satisfação e apontava para Gabriela, que estava aos beijos com a primeira lésbica realmente bonita que eu vi na vida. Uma morena clara de olhos verdes e sorriso arrasador.

Infelizmente, a tal morena era, até então, a única opção lésbica decente da boate. Sai dali triste, convicta de que ainda não seria daquela vez que eu iria adentrar de verdade o tal mundo.

Não consegui encontrar Marko (até hoje me pergunto onde ele pode ter ido hehehe) e resolvi ir para o lounge da boate, já estava cansada de noitada gay! Chegando lá, me deparei com dois casais, aparentemente hetero, dançando sensualmente.

Um dos rapazes foi ao banheiro, e a menina, tão bonita quanto a namoradinha da Gabriela, prontamente sentou-se ao meu lado. Ela começou a falar que eu era muito bonita, e que queria me beijar. Fiquei apavorada, meio sem entender como ela estava com o namorado e queria ficar comigo (santa inocência). Perdi a fala. Não sei que tipo de oilhar lancei para ela, mas deve ter soado como um sim. Ela prontamente pôs as mãos na minha cintura e beijou o meu pescoço. Até hoje sinto o ar faltar quando lembro da sua respiração se aproximando.

Como eu sempre tenho idéias infelizes, resolvi olhar para frente e dei de cara com Marko embasbacado, olhando a cena praticamente sem respirar, esperando um desfecho que nunca aconteceu!

Empurrei a menina e sai correndo ao seu encontro, com cara de vítima, dizendo que tinha bebido demais e queria sair dali. Ele, que não falava uma palavra de português, entregou-me um bilhete e perguntou o que tinha escrito.

“Você é lindo, me liga!”

Eram mais de 17 telefones de homens com nomes estranhos. Definitivamente a hora de sair dali. Eu tinha um banho gelado para tomar e muitas coisas para pensar a respeito. Para mim, naquela noite, o “mundo dentro do mundo” poderia se resumir em uma palavra: Luxúria.

O proibido é sempre atraente, e provavelmente pouco saudável… mas isso eu só descobri depois!

Helena fala…

Após meu choque inicial com “o mundo dentro do mundo”, tive uma breve fase latente pseudo-hétero, na qual refleti sobre o quanto o mundo gay me despertava pavor. Eu não era parte daquilo. Infelizmente, também não me sentia mais parte do mundo hétero. Vivi por alguns meses num limbo social, entre minha casa e a faculdade, sem vontade de sair às ruas.

Certo dia, uma amiga gay virtual (esta não era amiga da minha ex) me convidou para ir a uma outra boate gay. Disse que o lugar que eu havia conhecido era ruim, e que esta boate certamente me encantaria. Relutei por alguns minutos, mas acabei aceitando o convite. Eu precisava me encontrar no mundo gay. Pus uma blusa com pouco pano e uma calça cintura baixa. Se era pra sair na chuva, eu iria com cara de quem vai para se molhar.

Fomos na boate que a Bia citou acima (eu e a Bia não nos conhecíamos ainda nesta época). O lugar era definitivamente melhor – estruturalmente falando – e mais bem freqüentado, ainda que a baixaria fosse a mesma. Contudo, talvez por ter observado um ambiente pior do que aquele – ou talvez por insistência mesmo – passei a relevar o que acontecia ao meu redor. A verdade é que eu não me choquei mais como da primeira vez. Peguei um licor de menta e fui dar uma volta com minha amiga e as várias amigas dela. Bastante expansiva, logo fiz várias “amiguinhas”. Me senti confortável no “mundo dentro do mundo” pela primeira vez.

Em poucas semanas, estava viciada em balada gay. Ia todo final de semana, religiosamente, na sexta e no sábado. Adorava curtir o som da boate, e virei uma exímia dançarina (bem… nem tanto). Sempre com as minhas amigas de balada – as encontrava lá e não fazia idéia de quem eram na vida “real” – eu me tornei uma espécie de “Brian Kinney” do Queer as Folk. Leia-se: virei aqüendadora-mor. Nada em grande quantidade, era extremamente seleta. Me desafiava sempre a ficar com a mulher mais bonita da balada naquela noite. E nunca telefonava, nem sequer queria papo no dia seguinte. Em poucos meses, eu me tornei uma piranha insensível destruidora de lares e mal-falada. E pior: achava aquilo o máximo.

O mundo dentro do mundo é capaz de corromper até a mais inocente das almas. Quem nunca teve uma fase Shane, que atire a primeira pedra.

Minha fama começou a rolar pela cidade. As pessoas começaram a comentar a meu respeito, e isto gerou os primeiros comentários no mundo hétero. Fiz tudo errado – nada como manda o Manual (vide capítulo “saindo do armário sem ser vista”) – e me expus excessivamente. Para piorar tudo, além de ter fama de lésbica no mundo hétero, adquiri fama de aqüendadora no mundo gay. Leia-se: todas as mulheres safadas da cidade queriam algo comigo. Sempre havia mulher. Meu telefone possuia uma categoria só para aqüendações certas – aquelas que “bastava um telefonema” para pegar – e uma categoria com amigas gays. Juntas, estas constituiam 70% da agenda. Os 30% restantes eram minha família, amigos héteros e colegas de trabalho. Como sempre havia alguma aqüendação interessante para me distrair, passei a priorizar minha “vida afetiva” – ainda que sem nenhum afeto – e deleguei todo o resto a segundo e terceiro planos. Meu desempenho na faculdade foi extremamente prejudicado durante meus 6 meses de “Liberty Avenue”, e meu relacionamento com minha mãe se tornou um grande tormento em minha vida (coincidiu com a época na qual ela tomou conhecimento da minha opção sexual). Para piorar tudo, eu me tornei uma canalha narcisista insensível e sem qualquer consideração por outras pessoas.

Qual o motivo de eu estar citando tudo isto? O mundo dentro do mundo pode ser atraente e até deturpar alguns de seus valores. Você pode perder seus referenciais e achar que tudo se restringe àquilo, quando na verdade o mundo gay não é balada. A balada é um mero apêndice do “mundo” – um que pode até ser divertido por alguns meses – mas que além de não preencher a carência afetiva, pode trazer atenção excessiva para você e acabar lhe expondo. Por fim, o mundo gay é fantástico, mas a sua vida não é gay. A opção sexual é apenas um dos muitos detalhes que nos compõem, e isto não deve ser regente de nossas vidas. Nunca deixem que a purpurina domine suas vidas. É um grande, grande, grande erro.

Minha fase de baladeira durou exatos 6 meses. Quando percebi que estava delegando a faculdade a segundo plano, entrei em surto. Por sorte do destino, foi na mesma época em que comecei meu romance com uma colega de turma (citada no capítulo “Convertendo”), e acabei me tornando uma pessoa mais caseira. Foi na época em que conheci a Bia.

Beatriz fala…

Pouco depois da minha incursão ao mundo gay, conheci a minha primeira namorada. Ela tinha um filhinho de um ano, e um verdadeiro pavor de que o menino sobfresse por causa de suas preferências sexuais. De repente, toda aquela noite de luxúria voltou a ser para mim apenas o mais tentador dos pecados.

Meu primeiro namoro, embora não tão rápido quanto o da Hell, deixou sequelas gigantescas. A menina não conseguia esquecer a ex namorada e eu fui corna, e muito, durante seis longos meses. As pessoas não entendiam como eu podia sofrer tanto por uma pessoa daquelas. Havia uma disparidade estética, intelectual e cultural gigante entre nós duas – a meu favor.

E foi nesse cenário que eu comecei a frequentar as baladas gays. Enfraquecida, com a auto-estima completamente abalada. Carente e querendo qualquer pessoa que me dissesse que eu era bonita e interessante. O que eu não sabia é que elas seriam tantas!

Comecei a ter um caso com a Myrna mais ou menos no meio da minha “fase Shane”. Começou uma grande disputa de egos, que eu perdi! Mas não se enganem, garotas, eu não sou santa. Perdi a conta dos corações que eu quebrei enquanto tinha a minha batalha pessoal com Myrna. Com a ajuda do Dolfinho, em seis meses, eu era uma das lésbicas mais faladas – e mal faladas – da cidade.

Não ia para lugares gays porque gostava, mas de que isso importa? Problemas de estima, batalhas de egos. Eu estava lá de quinta a domingo, e não me orgulho de dizer, cada noite com uma menina mais bonita, e menos inteligente (quando não surtava e passava a noite chorando por Myrna).

Belo dia, eu estava sentada em mais um bar gay, com dois bilhetinhos apaixnados que tinha recebido naquela noite nas mãos, esperando a “namoradinha do dia” voltar do banheiro. Olhei para frente e me deparei com a minha ficante da semana passada.

Pela primeira vez desde o término do meu namoro, fiquei muito triste por alguma razão que não fosse a Myrna. Uma semana antes eu tinha conhecido esta garota… Ela tinha exatamente aquilo que eu tanto procurava em mim e nao havia percebido – um coração.

Ao me “flagrar” com outra, passou me olhar fixamente. Ora com ciúme, ora com decepção, ora com uma pena incrível por me ver naquela situação deplorável. Foi ai que a ficha caiu… aquilo não era eu, aquele não era o meu lugar. Eu estava completamente perdida no mundo dentro do mundo e precisava fazer algo!

Helena fala…

O que o Manual traz para você? Não adianta fugir do mundo. Eventualmente, você vai se deparar com ele. É impossível ser uma lésbica contemporânea e não freqüentar, ainda que ocasionalmente, um point gay badalado. Você corre risco de fazer parte do mundo por osmose. Apenas tenha o cuidado de lembrar sempre de quem você é. Não fuja da sua essência e tente ser algo diferente: não funciona, não lhe fará bem e só criará em você uma frustração imensa por tentar ocultar sua verdadeira face. Esconder-se atrás de falsos esterótipos criará em você aversão à intimidade, deturpará seus valores e fará com que você perca seus referenciais pessoais. Se você é uma nerd que adora RPG, não tente virar uma filha-da-mãe promíscua que usa drogas diariamente e não dá a mínima pra ninguém. Se você não bebe, não tente encher a cara para ter coragem de aqüendar. Se você é tímida, não pague de cachorra. Seja apenas quem você realmente é.

Não tenha vergonha de sofrer por amor. O mundo gay não é uma forma de apazigüar a sua dor. Várias bocas não a farão esquecer a única que você quer beijar (vide novela Bia vs. Myrna). A carência que se sente deve ser encarada com maturidade. Mas tudo isto é assunto para outro capítulo… aguardem “O Rebuceteio”.

O mundo dentro do mundo não é o rebuceteio per se. É um pequeno universo de valores deturpados e lugares limitados, onde as pessoas vêem com normalidade coisas que não deveriam ser vistas. É como uma dimensão paralela, como um universo à parte. Depois de certo tempo nele, você parece se sentir em casa. O sentimento de liberdade e a idéia de que nada é proibido podem ser inebriantes. É o mundo dentro do mundo que acaba originando o rebuceteio.

Lembre-se de que há um universo bem maior longe das baladas e das mulheres: você tem responsabilidades, um futuro, uma carreira. Você é mais do que a sua sexualidade.

Um comentário:

Anônimo disse...

Finalmente eu achei,li e escutei tudo o que estava precisando pra direcionar esse meu surto existencial.Meninas,não sei se vocês ainda mantém o blog e tal,mas eu preciso dizer obrigada.