segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Capítulo 5 - Criando um Círculo de Confiança

Duas meninas de família, bem nascidas, bem criadas, bem educadas. Helena estava andando com os amigos da faculdade, com pessoas que se pareciam com ela, levando uma vida regrada e tranqüila. Patrícia, por uma razão que eu ainda desconhecia, tinha virado uma espécie de ícone gay, idolatrada por pessoas que definitivamente não se pareciam com ela. O que as fazia tão diferentes? Patty, como muitas das meninas que adentram o mundo gay, cometeu um erro clássico: aproximar-se das pessoas simplesmente pela sua sexualidade. E é sobre isto que fala este capítulo.

Helena fala…

Não preciso explicar o porquê do meu namoro não ter dado certo: foi exatamente esta diferença de mundos que me afastou de Patrícia. Quando você se descobre gay, invariavelmente pessoas que não têm nada em comum com você – exceto o fato de serem gays – surgem em sua vida. O universo homossexual é restrito, os grupos são heterogêneos em sua grande maioria, e há sempre pessoas de realidades sociais, profissionais, morais e etárias diferentes andando juntas. Por que isto é ruim?

Os amigos, como explicitamos no capítulo “saindo do armário sem ser vista”, são a sua segunda família. São pessoas que você, supostamente, escolhe para lhe fazerem companhia e dividir com você os mais doces e amargos gostos de viver. Isto implica em convivência, confiança, conexão, afinidade, empatia.

Seus amigos heteros sempre foram pessoas parecidas com você. Pessoas que dividiam o mesmo nível intelectual, os mesmos gostos, os mesmos mundos. Havia, claro, particularidades inerentes a cada um, o que tornava seus amigos únicos e especiais dentro do seu grupo. Havia o médico que adorava cantar, a médica que tocava violão. O advogado tímido, o engenheiro volúvel. Todos, entretanto, possuíam uma conexão entre si: a afinidade e empatia entre todos. As noites em grupo eram maravilhosas, e você confiava em cada um dos seus amigos ‘caretas’.

Depois de virar lésbica, você conheceu a primeira mulher gay da sua vida: uma surfista que fumava maconha e gostava de Bob Marley, com uma amiga gótica que freqüentava cemitérios e elas andavam com todas as strippers, go-go-girls da boate badalada. Ah, todos eram amigos de um outro grupo de lésbicas, que constava de uma executiva, uma garota de programa ninfomaníaca e uma veterinária esquizofrênica. Todo este povo anda junto em todo canto. E rolam brigas, intrigas. A namorada da esquizofrênica tem um caso com a surfista, que na verdade gosta da stripper e esta, por sua vez, é louca pela gótica. Todo mundo se pega quando bebe. Como é que todo este povo anda junto? Por que raios isto acontece?

É o erro primordial da lésbica recém-convertida: você. Atualmente ou no passado, todas já fomos “carne-nova”. Há quem perpetue esta conduta por anos a fio, criando dentro de si um complexo de que o mundo homossexual é desvirtuado de valores morais, sendo um grande rebuceteio.

Você aceitou como ‘melhores amigas’ as primeiras que cruzaram o seu caminho. Ao descobrir que as mesmas não tinham absolutamente nada em comum com você (depois que pegou sua namorada no banheiro da balada com sua melhor amiga), você resolve largar todo o grupo (afinal, elas eram amigas da surfista, e não suas). Aí você vai pulando de galho em galho, de grupo em grupo, sempre se decepcionando com todas as lésbicas que cruzam o seu caminho: há mentiras, fofocas, intrigas…. o rebuceteio nunca foi tão grande!

Neste momento, você fica deprimida. Chora e diz: o mundo gay não presta!!

Meu amor… não é assim.

Você apenas não soube selecionar com quem andava. Criar um círculo de confiança implica em conhecer e escolher pessoas com as quais se tenha afinidades verdadeiras, e cultivar estas relações, a fim de que as mesmas se tornem suas amigas gays. Se a primeira lésbica que você conheceu é viciada em crack e freqüenta o sambão cafuçu da cidade, seja simpática e diga que foi um prazer conhecê-la. Siga sua vida adiante e não traga a garota ao seu lado, do contrário, toda a escola de samba virá junto. A pressa é a grande inimiga da perfeição.

Seja paciente e procure uma única pessoa com quem você divida algo além da preferência sexual. A diversidade é grande, e por mais que demore, você vai encontrar. Faça seu pequeno grupo de amigos de confiança aos poucos, com pessoas nas quais você possa verdadeiramente confiar. Isto vai fazer com que você tenha mais segurança e tranqüilidade na hora de apresentar sua nova namorada às suas amigas – se elas forem pessoas como você (partindo do pressuposto de que você não é mau-caráter com seus amigos) – elas a respeitarão.

E como você saberá se as pessoas são como você? Divida momentos do dia-a-dia com suas “novas amigas”. Se você gosta de medicina, faça amigas médicas, conheça suas casas, suas famílias, seus sonhos, aspirações de carreira. Saiba por que seus últimos relacionamentos não deram certo. Divida medos, angústias, sonhos. Perceba nelas quem realmente são por trás da primeira impressão. Se a sua amiga, depois de todo este processo, é alguém com quem você se identifica verdadeiramente, parabéns! Cultive esta relação: ela pode vir a ser sua primeira amiga lésbica.

Quando encontrei a Bia pela segunda vez, ela havia saído para uma creperia a fim de encontrar-se com duas amigas. Lá chegando, as garotas não estavam, e Bia resolveu sentar-se em uma mesa enquanto aguardava suas amigas. Neste momento, a amiga cão-de-guarda cafuçu da Patty a encontra e a leva, arbitrariamente, para uma mesa na qual sentavam: a ex-namorada da cafuçu (que ela havia pego fazendo sexo no banheiro da balada com uma famosa “boqueteira-de-festa-de-motel”), a atual namorada da cafuçu (com quem ela despertava ciúmes na infiel), duas bichas purpurinadas e a pobre Bia. Eu não sabia de nada, cumprimentei a Bia e segui para minha mesa com minha namorada e dois amigos.

Em minha mesa sentavam: minha namorada e dois amigos gays, todos médicos e da mesma sala da faculdade. Conversávamos sobre tudo, menos medicina (acordo tácito), quando a Bia surge e diz:

“Pelo amor de Deus, me tira da minha mesa! Posso sentar aqui?”
“Claro, Beatriz!”

Nossa primeira noite sem Myrna ocorreu neste dia. Apresentei a Bia aos meus amigos e conversamos por toda a noite, rindo da história da mesa anterior e comentando sobre os desencontros que acontecem no mundo gay quando se tenta fazer bons amigos. A Bia ficou amiga de todos os meus amigos. Posteriormente, quando terminei meu namoro, ninguém precisou brigar.

É bem verdade que não se pode tratar mal alguém só por ser diferente. Não é esta a mensagem do capítulo. Você pode ter amigas de realidades distintas. Infelizmente, esta diferença vai pesar na relação, mais cedo ou mais tarde. Especialmente se a diferença for moral. Apenas tenha conhecimento disto.

Um outro erro bastante comum é o de adotar como seus melhores amigos os amigos de 10 anos da sua nova namorada. Veja bem: você tem os seus amigos, ela tem os dela. Mescle seu grupo com o grupo dela, não perca contato com seus bons amigos só por ter começado a namorar. Se uma grande briga entre vocês duas acontecer, os amigos dela a apoiarão e você ficará sozinha.

Tenha sempre um bom amigo gay. Toda lésbica gosta de andar com garotas (claro, elas sempre querem ir para onde as mulheres estão, paqueram com você, falam sobre sexo entre mulheres e conhecem as garotas gays da cidade). Entretanto, um amigo gay de confiança é fundamental: será sempre uma opinião neutra, sem quaisquer outras intenções, quando você precisar ouvir a verdade. O conceito vale também para uma amiga hétero.

O bom círculo de confiança será aquele no qual você conseguir reunir seus bons amigos heteros, suas novas amigas gays, seu amigo gay e você, e todos tenham uma grande afinidade, gostem uns dos outros e crie-se um grande novo grupo de bons amigos, independente do sexo ou da orientação sexual. Esta mistura é muito mais gostosa do que a primeira.

Beatriz fala…

Três anos depois…

Ciclo de amizade formado, pessoas maravilhosas, transição do armário concluída. Tudo se encaminha para um final feliz.

Até que…

ANDRÉIA

Eu e a Hell comemorávamos três anos de amizade inseparável. Entre fofocas, intrigas e confusões ao nosso redor, a paz sempre se manteve entre nós duas. Éramos inatingíveis. Patty também continuava uma grande amiga e já tinha se livrado dos amigos pitt-boys.

Particularmente, eu estava muito feliz com a minha nova namorada, uma estudante de medicina linda, com os cabelos loiros e os olhos brilhantes. Nunca havia me apaixonado tão rapidamente. Cheguei a pensar, inclusive, que desta vez seria para sempre.

Helena e Patrícia sempre viveram uma relação de amor e ódio, com períodos oscilantes entre “Heaven” e “Hell”. A cada três meses, as duas resolviam voltar a serem amantes, o que durava exatos cinco dias.

Heaven e Hell resolveram fazer as pazes neste dia, e iam para uma boate hetero da moda. Como eu tinha que trabalhar pela manhã, pedi às duas que levassem Andréia e fui dormir tranqüila.

Por um infortúnio desta vida, Andréia tinha problemas com álcool. Eu não sabia. Ela bebeu demais e, em apenas uma noite, conseguiu:

  1. Dar em cima das minhas duas melhores amigas (que eram um casal apaixonado à ocasião)
  2. Arranhar as costas de Patty inteiras, em uma perseguição frenética dentro do banheiro feminino.
  3. Declarar-se para Helena com frases do tipo: “Você é o amor da minha vida e eu estou com a Bia só para ficar próxima de você”. P.S. Esta declaração foi feita enquanto ela alisava as costas já arranhadas da Patty.
  4. Ficar a noite toda com um menino baixinho, feio e com no máximo 18 anos.
  5. Voltar chorando no carro com Helena e Patrícia dizendo que não queria me perder.
  6. Brigar com Helena, que parou o carro e disse: “Saia daqui!!!!”
  7. Voltar ao carro e soltar um: “Por favor, não digam nada à Bia!”

Você tem um ótimo gosto para escolher as suas amigas, mas o mesmo não acontece com as suas namoradas! Que fazer numa situação dessas?

Helena fala…

Ai, que ódio eu tenho desta menina. Creio que esta tenha sido a escolha mais infeliz que a Bia já fez (e foram várias escolhas infelizes). Eu e Patrícia perdemos a noite e todo o romance se foi. Estávamos entre a cruz e a espada. O que fazer quando uma estranha adentra o seu círculo de confiança, começa a namorar com a sua melhor amiga e se mostra a mais vil das criaturas? Como ser amiga sem perder a amiga nestas horas?

Ao ouvir as palavras finais de Andréia no carro, disse-lhe:
“Você tem vinte e quatro horas para falar à Bia tudo o que você fez hoje. Se você não falar, nós vamos.” Não sei se a mesma entendeu a gravidade de tudo o que fez, dado o estado ébrio deplorável no qual se encontrava.

Combinei com a Patty que contaríamos à Bia no dia seguinte. Deixei-a em casa após alguns beijos (enfim a sós, sem a Andréia por perto), e segui para casa. No caminho de casa, fiz a retrospectiva da quinta-feira à noite. Entre flashbacks, me lembrava das palavras da Andréia. Aquilo ficava ecoando em minha mente. Imaginava sua boca pronunciando as frases, os olhos cheios d’água enquanto o fazia. Por qual das quatro ela chorava? Por mim, Patty, Bia ou por ela mesma? Num ímpeto de ódio, um reflexo involuntário tomou conta de mim e, cega de raiva, peguei uma tremenda contra-mão numa das maiores avenidas da cidade. Eu iria contar. Agora.

Cheguei na casa da Bia às 5:40 da manhã, olhos borrados de lápis, cabelo com cheiro de balada, roupas brilhosas. O porteiro me olhou e torceu o rosto. Fui ao elevador. O primeiro andar parecia não chegar nunca. A Bia era completamente apaixonada pela Andréia e, certamente, nunca mais olharia em meus olhos depois do acontecido. Acreditaria em tudo o que a Andréia falasse e deixaríamos de ser amigas. Eu brigaria com a Patrícia em 3 dias (sempre foi assim) e estaria só dentro de uma semana. O elevador chegou.

Entrei sem tocar a campainha (eu tenho a cópia da chave hehehe). Adentrei seu quarto sem qualquer cerimônia e disse:

“Acorde!.”
“Hein? Que horas são? Ta louca?”
“Veja bem… eu tenho algo pra te contar. Pode não ser fácil para você, mas eu sou sua melhor amiga e ficarei o dia inteiro ao seu lado hoje.”

Contei tudo à Bia, na íntegra. Disse-lhe que Andréia provavelmente lhe contaria uma versão parcial do ocorrido, já que fora ameaçada por mim. A Bia, incrédula, passou horas sem pronunciar uma só palavra. Permaneci calada, sentada ao seu lado. Sua primeira frase foi:

“Eu quero ouvir o que ela tem para me contar”
“Ligue para ela então. São oito horas. Você sempre liga, não é?”

Bia pegou o telefone, respirou fundo. Discou o número com receio. Eis que o outro lado da linha atende e a Bia fala, com a voz mais sangue-de-barata que já vi nesta vida:

“Bom dia, meu amor. Dormiu bem?”
“Dormi. E você? To morrendo de saudades…”

A conversa seguiu em tom amável, quando a Bia desligou e me disse:

“Ai, que filha da p…!”

Respirou fundo outra vez e disse…

“Hell… eu sou louca por ela. O que eu faço?”

Neste momento, reflitamos: eu era a melhor amiga inseparável; Andréia, a namorada. Bia não ia terminar o namoro. Eu, definitivamente, não dividiria o mesmo teto com Andréia. Nosso grupo de amigos de nada sabia. Como proceder numa situação destas? Eu e a Bia chegamos a um acordo tácito de que permaneceríamos amigas, nada falaríamos aos nossos amigos e, em todas as ocasiões nas quais Andréia fosse estar presente no recinto, eu não iria. Foi um acordo de paz que não precisou durar muito.

Quando uma pessoa sem qualquer valor moral ou ético adentra o seu círculo de amigos e você não consegue tirá-la dele, não tente. Seja você mesma. Seus amigos são assim chamados por terem afinidade, empatia, valores morais e éticos comuns com você. Logo ficou óbvio que eu tinha ojeriza a Andréia, apesar de não se saber o motivo. Passadas algumas semanas, adivinhem? Ela deu em cima de Fronha, uma de nossas amigas (que será citada ao longo dos textos), e foi quando a Bia terminou o namoro definitivamente.

Felizmente, à ocasião do real fim, a Bia contou com o apoio de uma massagista tântrica de seios vultuosos, especialista em dança do ventre. Mas isto é história para um outro capítulo.

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